Podia vir aqui contar a história do faroleiro Richard
Garman, mas não o faço. Há que evitar o excesso de ficção e, desse modo,
propagar histórias falsas por esse mundo fora. Já basta o que basta. Também é
verdade que não haveria quem a ouvisse. Inspirado por Santo António, sempre a
poderia contar aos pássaros meus vizinhos, mas estes parecem-me demasiado
ocupados para se entreterem com o que lhes pudesse dizer. Esvoaçam diante da
janela, poisam no parapeito, fazem tangentes arriscadas à esquina do prédio.
Acima de tudo, não se calam e eu não sou santo o suficiente para lhes fazer
entender a minha língua. A luz desta segunda-feira tem o condão de me irritar.
Há nela um sintoma de falsidade, uma mancha esbranquiçada que alastra pelas paredes
e telhados, um odor a trevas mascarado de brilho. Não sou daqueles que na
natureza vêem o metro da virtude. Também ela é dissimulada, pronta a fazer-nos
cair numa armadilha. Eu sei que o que estou a escrever não tem nexo, mas também
eu perdi há muito o norte. Acima de tudo, esforço-me por adiar aquilo que tenho
de fazer. Ainda oiço o sagaz conselho que estava num daqueles livros de
instrução pública que me calharam em sorte: não guardes para amanhã o que podes
fazer hoje. Pobre sagacidade e infeliz conselheiro. Há coisas que o melhor é
nunca as fazer. Procrastinar é uma arte. A verdadeira arte.
Mais uma história que não conheço, mais um autor que nunca li: já tomei nota.
ResponderEliminarÀs vezes esqueço esse conselho da formiga e uso o da cigarra: nunca faças hoje o que podes fazer amanhã.
E de quando em vez é um prazer não cumprir um dever, como dizia o Fernando António Nogueira.
Milagre! Abri a janela às 6h e deparei-me com um fresco manto de neblina: lindo!
⚘
Maria
Para lá da beleza, um manto de neblina em Julho não é uma má notícia.
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