Os longos domingos de Verão. Os almoços tardios prolongavam-se pela tarde, o calor zunia e as pessoas enfrentavam com estoicismo os desmandos do lugar e do clima. Nesses estios inacabáveis tudo parecia mais perfeito. A inocência do olhar transformava as coisas mais simples em acontecimentos memoráveis. Depois, enquanto o olhar perdia a inocência, a realidade desfazia-se da perfeição, como se, para nos experimentar, um deus nos obrigasse a essa dupla perda. Será isso a que se dá o nome de queda. Olho para as minhas netas e ainda vejo nos seus olhos, tão ávidos de realidade, essa doce ilusão, aquela que faz de um simples nada um grande acontecimento. Também o almoço de hoje será tardio e elas hão-de lembrar-se dos domingos de Verão, dos seus almoços, dos pequenos nadas, das corridas de bicicleta, como eu me lembro de uma entoação de uma tia-avó, de uma sombra que a certa altura se desenhava no quintal da casa onde nasci ou do vento a soprar as folhas das roseiras que ali havia. Na infância, somos sonâmbulos, doença que a adolescência nos há-de curar. Depois, quando a vida começa a declinar tornamo-nos de novo sonâmbulos, evitando, sempre que for possível, que a realidade nos incomode em demasia.
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