Um terço de Abril está cumprido e não têm faltado as águas mil. Há pouco fui espreitar a Sá Carneiro. Só para ver o movimento. Não o havia ou quase não se dava por ele. No seu friso, as orquídeas estão, todas elas, esplendorosas. Contaram-me, então, uma história de alguém que também tem orquídeas em casa, mas que estas nunca florescem. Elas não gostam da proprietária, expliquei. Talvez seja eu que não goste dela, embora não tenha qualquer motivo para isso, mas nunca se sabe aquilo que move as nossas palavras. Especulo, porém, que o problema dessas orquídeas reside na má relação com quem se apropriou delas. O dia tem estado triste por aqui. Há pouco liguei para uma amiga. De um momento para o outro, caiu-lhe o céu em cima e ela não é gaulesa. Foi diagnosticada uma doença daquelas muito desagradáveis ao marido. Ela procura encontrar dentro de si forças e esperança perante a ameaça. Vivemos todos nós como se a vida fosse ora um Natal, ora um Carnaval. Nunca nos lembramos da Sexta-Feira de Paixão e do calvário, a não ser quando nos batem à porta. Nunca se está preparado para aquilo que desejamos que nunca aconteça. O dia corre, sob bátegas de água, para a caverna da noite. Da janela do escritório, avisto uma paisagem de cinza recortada pelo anúncio luminoso de uma cadeia de hambúrgueres. Mais ao longe, as paredes outrora brancas do hospital continuam a cobrir-se de fungos, enquanto oiço o Cântico ao Sol, da russa Sofia Gubaidolina. São misteriosas as almas russas, assim como as orquídeas, assim como a vida.
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