A meio da manhã recebo uma chamada no telemóvel. Atendo e oiço dizer é o carteiro, tenho aqui uma encomenda vinda de Espanha, não está ninguém em casa. Posso deixar na caixa do correio, perguntou. Respondi que sim, que agradecia. Uma drástica mudança no modus operandi. Para melhor. Quando abri a encomenda deparei-me com um pequeno mistério. No dia 27 de Abril encomendei no mesmo site – e na mesma encomenda – dois livros. No dia 28, recebo a indicação de que teriam enviado apenas um. No dia 29, recebo a indicação de que acabaram de enviar o que estava em falta. Hoje, dia 30 de Abril, recebo este e não o que foi enviado em primeiro lugar, o qual, por certo e apesar de ser do mesmo autor, gostará mais de andar a viajar e a visitar lugares desconhecidos. Os livros possuem vontade própria, é a única conclusão a que consigo chegar. A luz solar reverbera nas paredes do hospital, no telhado branco do pavilhão desportivo da escola vizinha e nas folhas das oliveiras, as quais se agitam entontecidas pelo ventania soprada de noroeste. Dentro de meia-hora terei de estar em videoconferência. Uma sessão de três horas. A massa neuronal há-de ficar como o puré de batata, não pela complexidade da coisa, mas pelo tempo de duração e porque hoje é sexta-feira, e este narrador não ter já idade nem apetite para certas coisas. Dantes, quando me faltava o apetite, coisa que ocorria sistematicamente, davam-me Ceregumil. Não sei se fazia alguma coisa, mas levou-me até ao momento em que não mais tive falta de apetite. Algum mérito haveria de ter. Se houvesse Ceregumil para videoconferências, mandava já vir uma caixa.
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