Talvez ainda hoje seja assim, pelo menos em certos círculos. A Sexta-Feira de Paixão estava marcada por um conjunto de proibições. Lembro-me que, na infância, a própria televisão suspendia o seu ruído diário, um ruído inocente, diga-se, e apenas transmitia música clássica. Não sei se a finalidade era marcar o luto religioso com a grande música, ou se se pretendia ligar esta, aos olhos das pessoas, a momentos lutuosos. Quem em casa recebia uma educação religiosa, talvez a maioria das pessoas, era iniciado nesse jogo de permissões e proibições, que pautavam a vida. Hoje em dia tudo isso parece abolido. Suspeito que se deverá, a abolição, ao princípio utilitarista da felicidade geral. As proibições tornam as pessoas infelizes e vivemos numa época em que cada um não aspira a mais do que participar nessa exigência da felicidade. Não há coisa mais espantosa do que a reivindicação do direito a ser feliz, como se isso pudesse ser garantido por algum poder ou por alguma instância, como se fosse possível recorrer a um tribunal para reivindicar o preenchimento do direito sonegado. Admitindo, com certo filósofo, que vivemos no melhor dos mundos possíveis, já se constatou que dentro desse melhor cabem infelicidades sem fim, que não resultam de nada a não ser do acaso, e não há direito que lhes valha. A prosa está demasiado meditabunda. Talvez seja o cinzento do dia que inclina o espírito para este tipo de cogitações. Há quem jure que o destino de cada um é regulado pelos astros. Em vez da astrologia, proponho a climatologia. As conjugações climáticas trazem-nos dores e o alívio delas, flectem o espírito às trevas ou deixam-no galhofeiro, como um aldeão antigo a caminho da romaria. Oiço o ranger das roldanas das cadeiras de baloiço no parque infantil da praceta. Constou-me que a sua frequência estava proibida, mas isso tornaria as crianças e os pais infelizes. No fundo, somos todos herdeiros do proibido proibir. É o que me ocorre, nesta sexta-feira nebulosa.
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