quarta-feira, 26 de maio de 2021

Contra-conformista

Voltaram as antigas quartas-feiras. A pandemia ainda não foi dada como extinta, mas o conjunto musical da escola vizinha retornou em força. Tanto quanto sei, o conjunto é formado por professores, ou pelo menos por um, o vocalista, um rapaz do meu tempo, colega de colégio. Parece-me que estão a alargar horizontes musicais. Para além daqueles velhos slows dos bailes de há décadas, música para constituir família, foram adicionadas ao repertório umas composições mais hard-rock. Seja como for, não o posso jurar, pois sou um absoluto leigo nesse tipo de música. Consegui constituir família sem recurso a slows e de hard-rock só conheço os cafés, não por os frequentar, entrei uma vez no de Lisboa, mas por ouvir dizer. Confesso que tentei várias vezes gostar dessa música que animou a alma da minha geração, mas tive de reconhecer que sou um desalmado. Há pouco fiz uma intervenção num fórum online restrito sobre uma determinada temática que, embora venha para salvar a pátria da sua contumaz miséria, não vou aqui divulgar. Se sou para a música dos meus tempos um desalmado, continuo com a mesma alma que tinha nesses tempos. O prazer de estar contra. Há os conformistas, que estão sempre a favor, e há os contra-conformistas – não confundir com inconformistas – que estão sempre contra. Estar contra parece fácil, pois tudo o que é feito pelo homem é precário e imperfeito. No entanto, estar contra é uma arte. Exige que se explore aquilo que se vai contestar, se lhe descubra a imperfeição, se contribua para que melhore. É isto que um filósofo famoso do século XX propunha para a ciência. As teorias científicas não se podem confirmar, mas há que mostrar que são falsas, para se encontrarem outras melhores. Não se pense que estar contra seja o resultado de um elevado heroísmo. Não é. É, antes, uma coisa que está na massa do sangue, contra a qual não se pode lutar. O grupo de baile voltou aos slows, embora já ninguém constitua família desse modo.

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