Hoje é o Dia da Mãe. Há na designação qualquer coisa sombria. Antigamente, poucos os dias eram dias de qualquer coisa. Nesse tempo, o Dia da Mãe possuía uma aura que hoje não tem. A proliferação dos dias disto e daquilo foi a melhor forma de aniquilar isto e aquilo e tornou a mãe perdida no labirinto do seu dia, que é agora mais um. A escassez valoriza, a abundância corrói. Uma questão de mercado. Talvez as entidades laicas que superintendem a designação dos dias relativos a uma qualquer coisa pudessem aprender com a Igreja Católica que, por volta de 609 ou 610 da nossa era, criou o Dia de Todos-os-Santos e, lá para o século nono, o universalizou. Assim, teríamos o Dia de Todos-os-Dias, onde cada um escolheria a causa da sua devoção para a ela dedicar o pensamento e, talvez, a acção. Tendo em consideração a quantidade de coisas sem nexo que me ocorrem, suspeito que teria dado um grande reformador, uma daquelas pessoas que, cheia de ideias, pegam em qualquer coisa que funciona mais ou menos e, devido ao seu espírito intrépido e inovador, a deixam de rastos. Depois, serão condecorados e haverá, quando morrem, alguém que lhe escreverá o epitáfio, que há-de reverberar no túmulo. Não faço ideia como cheguei ao que cheguei, mas tornei-me incapaz de compreender esses espíritos sempre prontos a reformar, a inovar, a renovar, que não será outra coisa senão a síntese entre reformar e inovar. Não é que eu ache que não deva haver mudanças. Deve, mas todo o palavreado em torno delas tem o condão de as destruir. Quem melhora as coisas fá-lo sem abrir a boca sobre o assunto, como aqueles monges cartuxos que entregaram a vida ao silêncio. Muito eu gostaria que as pessoas públicas tivessem almas de cartuxos. Não têm. Hélas!
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