quinta-feira, 27 de maio de 2021

Injustiças vegetais

Ao olhar o entardecer deste dia de Maio recordei-me de dois versos de Eliot: What is the late November doing / With the disturbance of de Spring.  Lembrei-me não porque estejamos em Novembro, mas porque este dia de um Maio tardio está com ademanes de Outono. Com algum calor, mas céu nublado e uma atmosfera tensa, como se a terra estivesse a pedir uma tempestade libertadora das más energias que se acumularam. Há pouco, voltei a contemplar os dois jacarandás que moram num quadrado relvado do outro lado da avenida. Um está cada vez mais exuberante, coberto com flores roxas a abrirem-se para o espanto de quem as pode olhar de cima. O outro, coitado, é o jacarandá pobre, sem meios para comprar roupa vistosa, um maltrapilho com as suas esparsas folhas verdes e uma ou outra flor. Nem no mundo vegetal a justiça distributiva funciona. Aparentemente, ambos tiveram as mesmas oportunidades, mas um aproveitou-as e cobre-se de glória, o outro vai acabar mal. Não devia estar com estas considerações, pois são impróprias de um mero narrador proibido, pelo autor, de falar sobre este tipo de assuntos. Procuro com os olhos os loendros da escola vizinha, mas ainda não floriram. Não consigo distingui-los da vegetação envolvente. O crepúsculo prepara-se para cobrir a cidade com um véu de hesitações. Há dias em que não tenho nada para dizer. São quase todos. Um pássaro passou diante da minha janela. Há quem diga que era um estorninho, respondo que não. Um anjo disfarçado.

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