Um poeta romeno escreve os seguintes versos Die Schöne Müllerin / entra no quarto / cheirando a esquecimento. A primeira reacção é ouvir esse ciclo de canções de Schubert. Envolto pela música posso deter-me noutra paragem. Esta é equívoca. Não é claro quem ou o quê cheira a esquecimento. A bela moleira? O quarto? Inclino-me para o quarto. Se a moleira é bela, por que razão haveria de cheirar a esquecimento. Duvido que uma mulher bela, mesmo se moleira, possa transportar consigo o aroma do oblívio. Não lhe seria permitido. Resta o quarto. Quem nunca entrou num quarto que cheirava a esquecimento, como se a vida que nele existiu tivesse acabado há muito? Tudo parece composto, a cama feita, os móveis arrumados, mas tudo isso aconteceu noutra era. Quem viveu nesse quarto há muito que terá perdido a memória dele e quando alguém ali entra, é recebido pelo odor do abandono. Hoje é domingo. Aos domingos, almoço sempre mais tarde e tenho uma certa inclinação para escrever disparates. Temos de passar o tempo de alguma maneira. Fischer-Dieskau continua a cantar em Paris, nesse longínquo ano de 1991, o ciclo Die Schöne Müllerin. Há coisas que resistem ao esquecimento ou que levam mais tempo a serem esquecidas.
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