sábado, 3 de julho de 2021

Trivialidades

O sol, no sítio para onde fugi, nasceu tarde, para dizer a verdade ainda não nasceu por completo. Durante grande parte da manhã manteve-se oculto por uma muralha densa de nuvens e, mesmo agora, só a espaços espreita o que se passa em terra. Caminhei durante seis quilómetros, a maior parte do tempo envolto numa névoa vinda do mar. O farol de um dos molhes não era visível a cem metros e os barcos que saíam do porto e passavam diante dos meus olhos eram apenas esboços, navios-fantasmas, qualquer coisa vinda de um mundo desconhecido. Num poema de Louise Glück leio o verso Um dia seguia-se continuamente a outro. Será legítimo reconhecer como grande poetisa quem escreve um verso tão trivial, perguntará alguém que espera da poesia um festival de fogo-de-artifício. Qualquer dia se segue a outro, numa caminhada contínua, mas será que vemos isso? Será que sentimos até ao fim o enigma que essa trivialidade encerra? Qualquer coisa de inquietante – uma inquietante estranheza, para citar Freud – se insinua na familiaridade aparente do verso. Os sábados, oiço dizer, não se devem gastar com conversa tão soturna. Aquiesço e penso que os sábados se seguem continuamente às sextas-feiras. O sol continua em processo de libertação das nuvens que o escondem. Não tarda e mostrar-se-á exuberante, talvez porque hoje seja mais um sábado que se segue a uma sexta-feira.

Sem comentários:

Enviar um comentário