Num bar da praia a que vou, nas raríssimas vezes que me disponho a ir a tal lugar, quem haveria eu de encontrar? É verdade que na ilha adjacente os jesuítas possuem uma casa de veraneio e não é a primeira vez que por ali encontro o padre Lodovico Settembrini. Venho contemplar o oceano, disse-me. Aliás, é o que sempre me diz quando o encontro por aqueles sítios. Não estava, porém, a olhar para o mar, mas lia um jornal enquanto bebia café. Faço-lhe o reparo, mas ele não desarma. A contemplação é da janela do meu quarto. Dali, vejo o mar como ele é. Largo, profundo, de um azul ao mesmo tempo celestial e tenebroso. Daqui, vejo as ondas sobre a areia e uma ou outra rapariga em biquíni. Suspendeu o discurso e deu uma gargalhada. Eu sei, eu sei, continuou, que já não tenho idade para estas visões, mas elas metem-se mesmo diante dos olhos e eu ainda não sou cego. Não imaginei, respondi-lhe, que o problema fosse a idade, mas a condição. Olhou-me com despropositada ironia e retorquiu: a condição sacerdotal não elimina a condição de ser homem. Às vezes, nem dá um modo de lidar com essa particularidade, mas, afirmou como se me quisesse tranquilizar, o meu olhar é inocente. Com o tempo consegui chegar ao estado de inocência. Depois, mudou de conversa e disse-me que o Hans Castorp chegará amanhã com a mulher. Vêm da Galiza, de casa da família dela, Emilia Bázan. Podemos ir jantar todos à Brasserie, aqui perto, sugeriu. Eu disse-lhe que era uma excelente ideia, mas havia que ter em conta se o concelho vizinho não estaria sob o efeito de medidas restritivas por causa da pandemia. Seja como for, acrescentei, trato do assunto. Na praia, havia apenas os alunos das escolas de surf. Para eles não há bom nem mau tempo. O mais nublado dos dias é ainda óptimo para cavalgar as ondas. Terei também de comprar uma prancha para a minha neta mais velha, disse para mim mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário