São grandes os dias e as tardes prolongam-se numa doce rêverie como se tivesse retornado, por instantes, aos Verões da longínqua infância. Uma quase desadequação à realidade. Ainda não se está no Verão, falta quase um mês para a sua chegada oficial, embora a infância esteja cada vez mais longínqua. O almoço não me predispôs a qualquer actividade nas horas que se lhe seguiram. Há coisas simples que parecem tocadas pela eternidade, como carapaus fritos – pequenos, mas não mínimos – e arroz de tomate. A culpada foi a minha neta que fez um pedido formal para este almoço. O resultado não foi venturoso. Sentei-me em frente da televisão, para ver o que se passava no Giro de Itália e adormeci, embora acordasse a tempo de ver o fim da história, isto é, da etapa. Eu não sou um adepto contumaz do ciclismo, mas acho-lhe alguma graça, se visto na televisão. Por norma, as paisagens são magníficas, vêem-se coisas que nem indo lá se conseguem ver. Quem ganha ou perde, quem dá à perna com mais ou menos vigor, isso pouco interessa. Havia um português nos primeiros lugares, mas parece que foi apanhado pela COVID e foi obrigado a desistir. São estes imprevistos que nos impedem de ser uma grande nação. Há sempre um vírus ao virar da esquina à nossa espera. E esquinas são coisas que não faltam neste país. Somos um pobre país rico em esquinas. Um país esquinado. Quando fui ver a minha mãe, neste 28 de Maio em que faz 89 anos, estava, na cidade, um calor insuportável. Ela reconheceu os filhos, mas dos netos e bisnetos não se lembrava, como de quase nada. A vida parece apagar-se do fim para o princípio. Tem vislumbres, conseguiu acertar na idade, mas não fazia ideia que era dia do seu aniversário. Por vezes, parecia fazer recapitulações perguntando a cada se era aquele que ela pensava ser. Depois, entrava numa outra dimensão que só ela saberá qual é. Uma fuga para uma realidade paralela ou perpendicular, mas por certo melhor que esta.
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