Continuo a ler coisas que não deixam de aumentar a minha perplexidade. A quantidade de pessoas que deseja pôr a mão na vida das outras, de lhes dizer como devem viver e o que devem fazer, é alucinante. Esse desejo não é sequer da ordem da enunciação, mas da própria acção. Interferir na vida dos outros, dizer-lhes no que devem acreditar, tudo isso tornou-se objecto de uma militância espalhada um pouco por todo o mundo. O direito de cada um a dispor da sua própria vida como bem entender tornou-se, no delírio crescente que assola este pobre planeta, um sintoma de uma sociedade decadente e corrupta. Dito de outra maneira, ser livre é um sinal de decadência. Como tal, a liberdade dos indivíduos deve ser suprimida. Estas meditações são completamente descabidas num domingo, antes de almoço. Ocorrem, por certo, porque o almoço é mais tardio e haverá uma conexão entre a espera e as considerações mais ou menos mórbidas. O dia, porém, está luminoso, e nada indica que viva numa sociedade particularmente decadente, embora possa estar errado. Talvez devesse dedicar a tarde a ler uns textos do romântico alemão Jean Paul, pseudónimo de Johann Paul Friedrich Richter, a que deram, em espanhol, o título de Alba del Nihilismo. O almoço interrompeu-me a especulação em torno do livro de Jean Paul. Esqueci-me do que ia dizer, prova suprema da sua irrelevância, como a de tudo o que narro. É domingo, a tarde está a tomar aquela coloração inquietante que antecede a vinda da inutilidade dos dia úteis. Não passo de um perplexo sem guia.
Sem comentários:
Enviar um comentário