terça-feira, 10 de maio de 2022

S. Pedro, S. Pedro

Em tempos, Maio era um mês primaveril. Neste momento, estão 35 graus. S. Pedro enlouqueceu ou, então, foi de férias para o céu de um outro universo que não este. Podemos acordar-lhe que nós, os seres humanos, não somos particularmente virtuosos, sempre inclinados para actividades pecaminosas. É um facto. Contudo, também os santos têm um dever indeclinável com os pobres mortais. Serem misericordiosos. Sem misericórdia não há santidade, presumo. Ora, deixar que se chegue por aqui a estas temperaturas revela pouca misericórdia. Parece mais uma ameaça com as penas do inferno. Não sei se a punição será a melhor estratégia para levar os homens ao bom caminho. Desconfio que o santo proprietário das chaves precisa de fazer formação em pedagogia e psicologia motivacional. É uma impressão. A certa altura de um dos seus livros, Peter Sloterdijk escreve: Nas gravuras do século XVIII aparecem corsários do sexo feminino – de espada desembainhada, blusa aberta e peitos salientes – como que para provar que, no mar, a nova mulher age com toda a autonomia no seu papel de saqueadora. Será por isto que o S. Pedro se recusa a regular o tempo como deve ser? Estará ofendido ver mulheres dedicadas ao corso? Preocupa-o a autonomia feminina? Ficou chocado com a mulher de espada desembainhada? Ou a saliência dos peitos tê-lo-á perturbado? Seja qual for a razão, era bom que houvesse uma rápida reconsideração do estado do tempo. Sobre mim, estas temperaturas têm dois efeitos. Baixam-me a tensão arterial e elanguescem-me os neurónios, no duplo sentido de que ficam mais fracos e mais lânguidos. Neste caso, não é que eles passem a pensar em corsárias de peitos salientes, mas entregam-se a sinapses lentas e langorosas, como se houvesse um problema eléctrico qualquer. As junções sinápticas tornam-se uma coisa indecorosa e de eficiência tendencialmente nula, que se traduz em textos lamentáveis como este. Agora, tenho de me levantar e enfrentar o tórrido calor da rua.

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