quarta-feira, 11 de maio de 2022

Perversões

Acabei mais uma incursão no admirável mundo novo das videoconferências. Nesta afirmação não existe qualquer censura ao facto de se substituírem encontros presenciais por virtuais. Aliás, permitiria, caso tivesse talento para isso, fazer profundas meditações sobre a virtualização do corpo, a sua redução a uma pequena imagem, quando não a sua ocultação. Influenciado pelos teóricos franceses dos anos sessenta e setenta do século passado, que, em Portugal, estiverem em moda nos anos oitenta e noventa, haveria de discorrer sobre o carácter censório desta ocultação dos corpos. A virtualização, diria, é uma estratégia para apagar os traços de erotismo que a presença corpo a corpo sempre pode desencadear. Debitaria tudo isto caso fosse dotado para o fazer. Confesso, por outro lado, que esta ocultação dos corpos atrás de um micro monitor, ao lado de outros micro monitores pedidos num monitor mais amplo, começa a ser-me bastante simpática. Talvez o virtual seja o caminho para a virtude. Por virtude não me refiro à perspectiva grega de excelência ou virtuosismo, mas à virtude que se expressa na resistência às tentações. O corpo do outro tornou-se um corpo fantasmático, e de fantasmas deve-se ter medo e não atracção erótica, o que entraria na categoria das perversões. Aqui, contra a minha tese, convém citar o senhor Jacques Lacan, um dos teóricos franceses que estiveram na moda naqueles tempos: toda a sexualidade humana é perversa, se seguirmos correctamente o que diz Freud. Ele nunca concebeu a sexualidade sem ser perversa. Isto é, para o pai da Psicanálise toda a sexualidade – incluindo a normal, esse súbito encontro entre pénis e vagina, fruto possível da posição do missionário – seria perversa. Talvez, o que cada um dos amantes deseje no outro não seja o corpo, mas o fantasma que nele se esconde. Apesar de ter alarmado as boas consciências do seu tempo com uma doutrina que falava da sexualidade, o dr. Sigmund Freud seria um conservador nos costumes, que, no íntimo, acharia que só a mais pura assexualidade não seria uma perversão. O melhor é ficar por aqui, pois não tarda e ponho-me a falar de política e de Wilhelm Reich, o autor de A Função do Orgasmo, que fez a ponte entre a psicanálise e o marxismo, coisas que a minha geração devorou, com o atraso devido a estarmos todos em Portugal, e com a inutilidade que resulta de tudo aquilo que se devora.

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