quarta-feira, 4 de maio de 2022

Recomposição do rosto

Recomposição do rosto. Não se pense que é o título de um poema ou de um livro de poesia. Não é. Recomposição do rosto é a fase pela qual estamos todos a passar. Com a queda das máscaras, deparamo-nos com rostos que não se coadunam com aquilo que deles víamos quando se escondiam sob o disfarce imposto pelas contingências da pandemia. A emergência dos rostos à plena luz traz com ela uma sensação de inquietante estranheza. Com o passar dos dias, esses rostos inquietantes e desadequados à nossa expectativa começam a fazer sentido, a perder o ar inquietante que revestiram nos primeiros dias de libertação. Além dos rostos, também o tempo se está a recompor, e isso, no que me toca, não são boas notícias. Deve haver em mim uns genes que não são propriamente do Sul, mas de terras sombrias, onde a luz solar é exígua e o calor diminuto. Num livro de poemas encontrei uma factura de um restaurante. Procurei a data. Era de 2017, de cinco de Junho. Nela, encontrava-se o nome do funcionário, aliás excelente. Já não é funcionário nesse restaurante. Isto é uma prova de que a realidade não é imutável e que o tempo teima em não se fixar. O que acho, porém, mais indecoroso é marcar um livro com um papel como aquele, eu que possuo uma colecção de marcadores de livros, cartões de restaurante, bilhetes de cinema, quando estes eram de cartolina ou coisa no género, uma colecção, dizia, que parece não acabar. Também eu estou a precisar de me recompor. E não é pouco, murmura-me a consciência. Ora, se há alguém a quem não devemos dar crédito é à própria consciência. Agora, vou dedicar-me à videoconferência, uma modalidade existencial que nos ajuda a mantermo-nos à distância uns dos outros, o que poderá ser um contributo real para um mundo melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário