Uns adolescentes tentam engrossar a voz na praceta. O peso das hormonas desequilibra-os e desfigura-lhes a frágil humanidade que ostentam. Com o tempo, tudo encontrará o lugar, e eles hão-de esquecer-se das figuras que agora fazem. Talvez cada um de nós tenha de recapitular o processo de evolução da espécie, onde se incluirá por certo aqueles estádios pré-humanos que antecederam a gloriosa alvorada do homo sapiens sapiens. O que acontece, e talvez não sejam poucas as vezes, é que alguns não chegam ao segundo sapiens, ficam pelo primeiro. Outros, nem ao primeiro sapiens chegam, ficam pelo homo. Haverá ainda aqueles que, apesar da figura, não chegam sequer a homo. São hominídeos na aparência, mas não na essência. Nem vou discutir se existem ou não essências. Neste texto existem, e é isso que importa. A cidade está arqueada ao peso do calor. O sol entranha-se na pele e esta parece estilhaçar-se. Ainda vamos em Maio. Sobre a mesa tenho uma carta da Autoridade Tributária e Aduaneira. Abro-a desconfiado e vejo haver razões para desconfiança. Um imposto para pagar. Tenho tempo, penso e deixo a mensagem deslizar pelos dedos. Elenco as coisas que tenho para fazer. Respiro fundo e insulto, entre dentes, a realidade, não vá ela escutar-me. As acácias começam a cobrir-se de folhas. Ainda são árvores com um aspecto esgalgado. Daqui a umas semanas estarão todas cobertas de uma folhagem verde. Serão exuberantes. O galgo que há nelas ter-se-á ocultado. Começo a fazer associações linguísticas que, apesar de correctas, não indiciam grande sanidade mental.
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