terça-feira, 16 de maio de 2023

A ética do narrador

Na postagem de ontem, descobri há pouco, que tinha um á no lugar de um à. Ora, a orientação do acento não é coisa de pouca importância, ainda por cima numa época em que se cultiva tudo o que é orientação, mesmo aquilo que resulta da desorientação, pois esta ainda é uma orientação, embora falhada. Não fora eu um narrador apolítico e esta conversa teria o aroma sulfuroso da política, isto é, das políticas de orientação. Embora não me seja permitido, e ainda bem, falar de política por aqui, possa recordar que ela, a política, é um caminho curto para o inferno. Isto no dizer de Maquiavel. Quem não quer condenar-se à perdição eterna o melhor é não se meter nesses caminhos e quem aspirar à glória dos altares deve abster-se de possuir qualquer opinião sobre o assunto. Aqui pode surgir um estranho equívoco. Será que este narrador aspirar à santidade, a ser venerado por fiéis com velas de cera e orações? Não. A razão é muito simples. Um narrador pertence a uma classe de seres para a qual não estão disponíveis as possibilidades de perdição ou de salvação. Tal como as pedras, os vírus e as poeiras cósmicas, também os narradores estão condenados ao desaparecimento sem castigo ou recompensa num além, ou mesmo num aquém. Isso não faz de nós, narradores, mesmo dos omniscientes, irresponsáveis. Pautamo-nos não pelo medo da perdição ou pelo desejo da salvação, mas por uma ética que nos ordena ao escrúpulo narrativo, o que não nos inibe de evitar a verdade e cultivar a mentira, que para nós tem o nome de ficção.

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