Uma citação de Camões – O que é Deus, ninguém o entende – em epígrafe, da terceira elegia recolhida em Labareda, uma colectânea de poemas de Alberto Lacerda, anuncia o poema que começa assim: O mergulho abrupto de certas horas / No relógio lento do coração. E aqui eu imagino que ninguém entende o ser de Deus porque o coração, o coração de cada um, é um relógio lento. Essa lentidão conduz ao atraso e quando alguém tem um encontro marcado com Deus, acaba sempre por chegar atrasado. A hora da audiência já tinha passado, o ser da divindade recolhera-se em si mesmo e ocultara-se ao entendimento de um coração destituído de ardor ou, para ser mais exacto, de ímpeto. É possível que a elegia de Alberto Lacerda siga outra vias, mas este texto segue o seu próprio rumo, no jardim dos caminhos que se bifurcam. Daqui a pouco terei de rumar a um certo destino, onde me esperam, mas não corro o risco de que a minha falta de ímpeto tenha como consequência o sumiço de quem me aguarda. A única coisa que temo é que o caminho se comece a bifurcar e eu me extravie. Ainda mais.
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