Respiro fundo ao sentar-me na minha cadeira. Ela, a pobre cadeira, é um dos lugares do mundo de que mais gosto. Por vezes, arrasta-me para o território da sonolência, mas tem-me sido fiel como um cão e prestável como um serviçal. Imagino que as analogias usadas sejam reprováveis. Não cairá bem aos representantes dos cães que os seus representados sejam retratados por uma característica que lhes anule a autonomia e os aprecie como instrumentos ao serviço de uma outra espécie. Também passou o tempo dos serviçais, pois todos nos tornámos membros de um exército de serviçais, cada um com a sua patente. Ora se todos somos serviçais, é como se ninguém o fosse. E daquilo que não é não se deve falar. Isto é o que me ocorre, agora que estou refastelado na cadeira, deixando a tarde deslizar em direcção à foz, deixando as vozes da rua ecoarem até que o silêncio as devora e tudo se torna mais nítido, mais transparente. Sim, é verdade, o ruído é uma fonte de deformação da visão, impede-nos de ver claro, de apreciar a forma das coisas, os seus contornos. Este efeito não é estranho e muito menos único. Também os maus aromas impedem o gosto de saborear com adequação. Os sentidos contaminam-se uns aos outros, para contaminarem, depois, a razão, a imaginação, a memória. Cada ser humano é o produto mil contaminações, que um esforço absurdo tenta desfazer, para que tudo se torne puro e independente. Tempo perdido.
Cadeira: Preguiceiro
ResponderEliminarPau-santo entalhado e couro liso e lavrado
Portugal - Séc.XVIII
Pouco ou nada tem a ver com o *lit de repos*. É de criação nacional, e essencialmente destinado à preguiça masculina.
50 dos Melhores Móveis Portugueses
Fernanda Castro Freire
Cão: Rafeiro alentejano.
Livro de Origens Portuguesas
A minha cadeira é de escritório, é nela que me dá sono. A que tenho pra preguiçar nunca a uso, por certo não adormeceria. Quanto a cães, sou ignorante, além de não praticante.
Eliminar