quinta-feira, 11 de maio de 2023

Do desejo

Julgo que hoje fui acometido por uma doença denominada wishful thinking, que se me perdoe o uso de uma expressão em língua bárbara. Dou comigo a pensar que é sexta-feira, apesar de saber perfeitamente que não o é, mas um desejo secreto encobre o conhecimento e sopra-me na mente essa impressão de que o fim-de-semana está mesmo ali à porta, é só bater e entrar. O sábio arquitecto que ordenou as coisas do mundo e os poderes do homem, por ser sábio, determinou que as coisas não fossem como as desejamos, mas como são apesar do que nos vai na alma. Isto, contudo, não se deve a uma maldade dele, mas à sua prevenção e capacidade de cálculo. Com a sua omnisciência avaliou que mundo haveria se cada homem tivesse o poder de fazer com que a realidade se adequasse aos seus desejos. Transformou os desejos em quantidades, desenhou um algoritmo adequado ao cálculo, colocou tudo num supercomputador e, para surpresa sua, viu que o resultado da operação era igual a zero. Este cálculo não aconteceu agora, mas naquele tempo em que o tempo não existia, e o arquitecto empenhava-se em conceber um mundo que fosse o melhor de todos os mundos possíveis. Então, iluminou-se, literalmente, e percebeu que nesse mundo, o melhor de todos os possíveis, o melhor, o mais sensato e previdente, seria limitar o poder do desejo humano. Não é que a decisão tenha sido drástica. O arquitecto não é um radical. Concebeu que seres como os homens, por vezes, podem realizar um ou outro desejo, mas de modo muito moderado, para que o edifício sabiamente arquitectado não desapareça na tormenta desejosa dos homens. Por isso, pela sua sábia decisão, vejo-me frustrado. Desejo que hoje seja sexta-feira, mas tenho de me contentar com a quinta-feira. O meu desejo introduziria uma fissura no tempo, um buraco pelo qual tudo poderia desaparecer. Acho que me constipei.

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