Daqui a uma semana, estaremos na véspera do dia de Natal. Daqui a duas semanas estaremos na véspera do dia de Ano Novo. No entanto, hoje, só estamos na véspera de amanhã, uma pobre quarta-feira, tão pobre que nem chega a ser uma quarta-feira de cinzas. Como se pode ver pelos exemplos, até o calendário é dado à desigualdade, tornando uns dias memoráveis e outros, infelizes, tão banais que nenhuma recordação deles se regista. Ao contrário do que se pode supor, esta desigualdade não resulta de uma conspiração de adeptos do inigualitarismo – se me for permitido usar o termo – nem, tão pouco, de injustas relações entre os dias. Se todos os dias fossem ilustres, a memória humana perdia-se e acabava por não prestar atenção ao motivo de notabilidade de qualquer um deles. A nossa consciência não suporta demasiada luz. Pelo contrário, por cada dia cintilante, necessita de longas semanas de repouso. Pode-se pensar que um dia de Natal e um dia de Ano Novo, apenas com uma semana de distância, é uma overdose de dias fulgurantes. Há, contudo, uma sabedoria que aniquila esse excesso. O dia de Natal ocorre num ano e o dia de Ano Novo, noutro. Esta mudança de ano implica uma alteração radical na relação dos dias entre si. Um faz parte de um jogo a acabar e o outro é o começo de um novo jogo. Depois, virá o Carnaval, mas logo se transforma em cinzas, na quarta-feira seguinte. Contemplemos, porém, o crepúsculo de mais uma terça-feira indiferenciada, talvez a sua mediocridade tenha alguma coisa para nos ensinar.
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