sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Por amor ao dever

As festividades natalícias estão consumadas, o que é um grande alívio. Hoje, já me pude sentar à minha secretária, sem que obrigações – informais, por certo, mas mesmo assim obrigações – me façam levantar e andar por aqui e por ali. Coisa que contraria o meu espírito de sedentário ultramontano. A minha viagem preferida é aquela em que nunca saio do mesmo lugar, onde o princípio, o meio e o fim coincidem. Não é uma viagem fácil, pois existe sempre uma pressão para que a pessoa se desvie da sua rota e ande por caminhos que não são os seus, e todos os caminhos que existem por este mundo não me pertencem. Andar por eles é como invadir uma propriedade privada. Imagino que a espécie humana terá se não um gene, pelo menos uma forte inclinação cultural para andar sempre em movimento. Não por acaso, colonizou praticamente todo o planeta e, não contente com isso, sonha colonizar outros planetas. Isto coloca um problema. Terei uma anomalia genética que me eliminou o gene do nomadismo ou a minha socialização gerou um mostro sedentário? Seja qual for a resposta a esta excruciante questão, a verdade é que quando viajo no mesmo sítio sinto que vou muito mais longe do que quando me ponho a viajar como um turista. Turista acidental, claro. Voltando às festividades natalícias que em teoria são do meu agrado, mas que na prática se tornaram penosas, a boa notícia é que o conjunto de deveres estão cumpridos. E isto pode ser utilizado como um excelente exemplo de acção moral, segundo o critério de Kant. Cumpro os deveres natalícios não por sentir neles um interesse particular, nem por ter uma especial inclinação por eles, mas simplesmente por serem um dever. Faço-o por amor ao dever e não porque tema as consequências de não os cumprir ou espere um benefício pelo seu cumprimento.

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