Em
1572, foi publicada a primeira edição de Os Lusíadas. O poema de Camões
é uma prova clara de que poeta e profeta não coincidem na mesma pessoa. Talvez
se pudesse mesmo afirmar que a capacidade poética é inversamente proporcional
ao poder profético. Vale a pena visitar a sexta estrofe do primeiro Canto: E
vós, ó bem nascida segurança / Da Lusitana antiga liberdade, / E não menos
certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade; / Vós, ó novo temor
da Maura lança, / Maravilha fatal da nossa idade, / Dada ao mundo por Deus, que
todo o mande, / Pera do mundo a Deus dar parte grande. Como se sabe,
trata-se da dedicatória a D. Sebastião. Quase tudo o que nela se afirma é
manifestamente falso. É verdade que essa falsidade só se revelou em 1578, na
batalha de Alcácer Quibir. Não, D. Sebastião não foi a segurança da liberdade
dos portugueses, pelo contrário, nem confirmou a certíssima esperança do
aumento da pequena Cristandade. Ainda menos se tornou o temor dos mouros. A
maravilha fatal daquele tempo, foi fatal, mas não uma maravilha, e foi fatal
não para os inimigos, mas para si mesmo e para os portugueses. Escrevi que
quase tudo o que Camões afirma sobre D. Sebastião é falso. Não disse tudo pois
não sei se os últimos dois versos são verdadeiros ou falsos. O que sei é que os
poetas farão melhor em não se pôr a fazer adivinhações rimadas sobre a vontade
de Deus, a qual é, para os homens, mais escura que a noite escura. Isto
partindo do princípio de que Deus existe e tem uma vontade, pois mesmo que se
admita a existência de Deus, não é claro que um ser divino tenha uma vontade,
coisa que parece ser humana, demasiado humana, para que possa ser atribuída a
Deus.
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