sábado, 28 de dezembro de 2024

Poeta, não profeta

Em 1572, foi publicada a primeira edição de Os Lusíadas. O poema de Camões é uma prova clara de que poeta e profeta não coincidem na mesma pessoa. Talvez se pudesse mesmo afirmar que a capacidade poética é inversamente proporcional ao poder profético. Vale a pena visitar a sexta estrofe do primeiro Canto: E vós, ó bem nascida segurança / Da Lusitana antiga liberdade, / E não menos certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade; / Vós, ó novo temor da Maura lança, / Maravilha fatal da nossa idade, / Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, / Pera do mundo a Deus dar parte grande. Como se sabe, trata-se da dedicatória a D. Sebastião. Quase tudo o que nela se afirma é manifestamente falso. É verdade que essa falsidade só se revelou em 1578, na batalha de Alcácer Quibir. Não, D. Sebastião não foi a segurança da liberdade dos portugueses, pelo contrário, nem confirmou a certíssima esperança do aumento da pequena Cristandade. Ainda menos se tornou o temor dos mouros. A maravilha fatal daquele tempo, foi fatal, mas não uma maravilha, e foi fatal não para os inimigos, mas para si mesmo e para os portugueses. Escrevi que quase tudo o que Camões afirma sobre D. Sebastião é falso. Não disse tudo pois não sei se os últimos dois versos são verdadeiros ou falsos. O que sei é que os poetas farão melhor em não se pôr a fazer adivinhações rimadas sobre a vontade de Deus, a qual é, para os homens, mais escura que a noite escura. Isto partindo do princípio de que Deus existe e tem uma vontade, pois mesmo que se admita a existência de Deus, não é claro que um ser divino tenha uma vontade, coisa que parece ser humana, demasiado humana, para que possa ser atribuída a Deus.

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