segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Uma lógica insurreccional

Foi em Vico que li, como título de um capítulo de Ciência Nova, a expressão lógica poética. O conteúdo desse capítulo não vem ao caso, mas apenas a expressão. Poética surge como uma qualificativo da lógica, permitindo pensar que existem lógicas que não são poéticas. Isso conduz à questão de saber o que constitui a poeticidade de tal lógica. O melhor caminho, porém, será partir da poesia e tentar descobrir nela a lógica que a ordena. O discurso poético é uma insurreição contra a semântica, a sintaxe e a própria lógica que preside ao discurso corrente. Rasga o sentido corrente das palavras, cultivando a ambiguidade através da anfibologia, da metáfora, da sinédoque ou da metonímia. Subverte as regras sintácticas ordenadoras do discurso usando hipérbatos, anástrofes ou, de modo radical, sínquises. Apaga os imperativos dos velhos princípios lógicos ao cultivar oxímoros, paradoxos, antíteses e contradições. Há uma profunda coerência no ataque poético ao discurso corrente e à lógica que preside ao pensamento correcto. Poderíamos dizer que há uma coerência na produção da incoerência semântica, sintáctica e lógica. O estranho é que, apesar desta insurreição contra a coerência do discurso, a poesia não é destituída de sentido, nem de ordem sintáctica ou de lógica. Um poema abre o pensamento, a linguagem e a experiência para um além que estava oculto pela semântica, a sintaxe e a lógica correntes. A poesia é dotada de uma lógica insurreccional contra os limites semânticos, sintácticos e lógicos que determinam o horizonte do pensamento e da experiência dos homens. Oferece pontos de fuga e vislumbres de mundos possíveis que, por norma, parecem impossíveis.

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