Quais os limites da linguagem? Num conto de 1959, denominado Martelo, Stanisław Lem escreve: Pedregulhos enormes, aquecidos pelo sol e, na sombra, frios como gelo, pontiagudos, com aquele odor… não sei como descrevê-lo, mas quase sinto o seu cheiro neste momento…. A questão central expressa-se no “não sei como descrevê-lo”. Não se trata de uma falta de habilidade, de uma incapacidade derivada da falta de técnica, mas da confissão de uma impotência – não de natureza pessoal, mas da própria linguagem. Como descrever um odor ou um sabor? Tenho sempre uma grande curiosidade pela avaliação feita dos vinhos, pois aí está patente toda a impossibilidade de descrever o odor e o sabor. Os críticos recorrem, então, a um arsenal de metáforas. Esperam, através de uma poética tornada convencional, que o leitor aceda à sua experiência do vinho. Esperança vã – não porque a sua poética seja convencional, mas porque a experiência é absolutamente singular e incomunicável. A linguagem tem dispositivos para falar do singular, mas nenhum para comunicar, a outra pessoa, a experiência que eu tenho de um odor, de um sabor, de um prazer, de uma dor. A experiência, além de absolutamente singular, é incomunicável. O escritor russo Lev Tolstói propôs uma doutrina estética como forma de ultrapassar a incomunicabilidade da experiência: a arte teria a função de comunicar ao público a experiência singular que o artista teve e que desencadeou a produção da obra de arte. O receptor da obra, caso esta fosse uma verdadeira obra de arte, refaria em si a experiência singular do autor. Talvez seja nesta ideia que os críticos de vinho se fundamentam para descrever o odor e o sabor dos vinhos. Não serão grandes artistas – ou talvez sejam e Tolstói estivesse enganado, pois é impossível fazer o outro viver a experiência que eu vivi. A incomunicabilidade das nossas experiências é muito mais radical do que aquela que é suposta existir nas experiências do olfacto e do sabor. A minha experiência do amarelo é tão incomunicável quanto o sabor de um vinho. Aquilo que os outros experimentam na experiência do amarelo permanecerá sempre, para mim, um mistério. Nada nos salva da incomunicabilidade radical da experiência – nem a poesia, nem o amor; muito menos a linguagem. Além da morte, a experiência é a única coisa que é verdadeiramente nossa.
Um amigo me falou sobre este blog. É muito bom, como ele disse.
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