sábado, 2 de março de 2019

A minha tradição

Levantei-me tarde para os meus hábitos. Tornei-me com o tempo um bicho madrugador. Nisto, não há virtude alguma, apenas a incapacidade de dormir que o passar dos anos trás. Agora, preparo-me para sair e espero ir ver o Tejo num certo sítio onde ele corre manso e solitário. Sempre que olho aquelas águas, que nunca são as mesmas, bem o sei, sinto-me pertencer a uma cadeia de gerações ou àquilo a que se pode chamar uma tradição. Não daquelas tradições, hoje muito em voga, que começaram há dez anos, se não mesmo há dois ou três. Não, não se trata dessas tradições modernas, mas de outra mais antiga, vinda dos fundos do tempo, a daqueles que se dão à contemplação. Sentam-se e deixam o olhar repousar sobre as águas. Estas passam e eles olham. E nisto está a toda a sua verdade, que também é a minha. Ou inutilidade, dirão almas menos caridosas e mais dadas às bravatas da acção e à fortuna do desassossego.

6 comentários:

  1. Tempos houve em que contemplava muito o Tejo, só que não era manso nem solitário, era raríssimo conseguir estar a sós com ele.
    Depois vivi à beira do Atlântico, outro tipo de contemplação, com muito vento e ondas alterosas.
    Agora moro numa cidade triste, sem oceano, rio, ou sequer um simples riacho.
    E vou ficando cada vez mais triste...
    Mas como é carnaval, vou ali num instante pôr uma máscara de pessoa feliz.

    Maria

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    1. O Tejo onde hoje estive é aparentemente manso. Por vezes, parece imóvel, mas o perigo está lá ameaçador, oculto, à espera do descuido ou do estouvamento de alguém.

      HV

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    2. E esse lugar é muito "pessoal e intransmissível" ou pode ser revelado?

      Maria

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    3. Há toda uma faixa, na margem sul do Tejo, que vai, por exemplo, de Constância à Vila da Barquinha, ou até mais adiante. Também na margem norte, há pedaços do Tejo que são assim. É claro que tem lugares mais concorridos como Almourol ou a própria vila de Constância.

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  2. Constância é linda, embora o Zêzere (e não apenas o Tejo) também seja muito responsável por isso.
    Reparo agora que o Tejo é talvez o rio que melhor conheço.
    Embora nunca tenha estado na nascente, conheço o Tejo de Toledo, Aranjuez e Alcantara.
    Já em Portugal, fiz inúmeras vezes a viagem de comboio Beira/Lisboa, cujo percurso de Ródão até Barquinha é um deslumbramento.
    E depois o Tejo de Lisboa, onde nasci e vivi muitos anos.
    Foi bom recordar todos estes Tejos, bastante maltratado em alguns locais.
    Bom fim de semana.

    Maria

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