A manhã desfila perante os meus olhos. Vai num carro alegórico onde a tristeza é rainha e se cobre com véus de seda e nuvens de cinza batidas pelo sol. As pessoas passam desamparadas pela avenida, caminham com faces de percalina e gestos sem cintilação nem aspirações ao infinito. O que se perdeu nestes tempos, medito em silêncio, foi esse sonho do que não tem fim, sendo a medida de tudo dada pelo metro inexorável da morte. Na secretária, esperam-me os trabalhos e os dias, mas eu resisto e deixo-os a maturar. Uma mulher pára, leva a mão à cabeça e ajeita o cabelo, logo retoma a caminhada para se perder ali onde a minha vista já não alcança. Como um relâmpago, um raio solar fende a parede de nuvens que separa o céu da terra. Ilumina por instantes o prédio da frente, mas logo desaparece engolido pelo esquecimento. Um sinal no telemóvel rouba-me à contemplação. É uma fotografia do meu neto. Ri-se e eu deixo-me levar e rio-me, insensato, com ele, como se ele estivesse aqui, a meu lado, e não a mais de cem quilómetros de distância. Talvez o espaço não exista, penso, e logo torno a rir do pendor que tenho para me iludir e perder a noção de toda a medida.
Às vezes é bom iludirmo-nos e perdermos a noção de todas as medidas...
ResponderEliminarE uma Segunda-feira Gorda é um dia tão bom como qualquer outro para o fazer.
⚘
Maria
Sim, claro. E a Segunda-feira Gorda é um dia tão bom como outro qualquer.
EliminarHV