A tarde desliza impudente, abre o seu caminho por entre as muralhas do dia e, como um rio quase seco, parece serena e melancólica. Como nos enganamos, pensei, perante estas paisagens bonançosas. Trazem nelas o rastejar frio das serpentes e uma ameaça de tempestade. O sábado trouxe-me um manto de inquietação, mas resisto impávido, calculando as horas que ainda faltam para que o dia acabe. Conto as pessoas que passam na rua, sigo-lhes os passos, o bambolear das ancas de uma ou outra mulher, o andar quebrado dos homens, ajoujados à inércia deste tempo sem destino. Um dia também eu gostei da exaltação das horas. Hoje rio-me dos exaltados que vendem sacos de promessas aos incautos que passam. Se tivesse tempo, passou-me pela cabeça, inventava um mitologia. Deuses e deusas, as suas obras e as suas desgraças, as pequenas vitórias e as grandes traições. És um caso perdido, sussurra-me a consciência maltrapilha. Quem quer saber de deuses se se pode entrar no supermercado? Levanto-me e preparo-me para sair. Há ainda alguém que me espera.
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