sábado, 9 de março de 2019

Viagens na minha terra

Há muitos, muitos anos que não ia às Portas de Sol em Santarém. É um daqueles lugares que residem na nossa memória medidos pelos olhos da infância, e esta tem uma tendência despropositada para a hipérbole. Afinal, tudo aquilo é pequeno e sem mistério. Mesmo a paisagem que se abre diante das muralhas parece ter encolhido. O Tejo faz doer a alma, tão pouca a água que leva, tantas são as ilhotas de areia, como se houvesse ali um arquipélago fluvial, erguido no leito onde o rio jaz moribundo. Depois dei uma volta pela cidade e passei pelo Sá da Bandeira. Quando lá prestei provas de admissão aos liceus era, para os meus nove anos, um edifício descomunal, um verdadeiro e temível liceu. Hoje não passa de uma escola secundária, ajoujada aos tempos que vivemos, sem o halo com que se cobria aos meus olhos. No retorno, descobri que as giestas já estão em flor. O tear do tempo nunca se esquece de tecer os dias e não há Penélope que pela noite desfaça a sua obra. Não é Ulisses quem quer, concluí, não sem ponta de enfado ou de inveja.

2 comentários:

  1. Penélope alguma conseguirá desfazer o que a natureza já teceu.
    Assim como nem todos os Ulisses regressarão a Ítaca; alguns ficarão com as sereias...

    Maria

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    1. Há Ulisses incautos, mas talvez isso seja uma contradição. Se a natureza fosse uma Penélope, ainda haveria esperança. Não o sendo, são apenas ilusões vãs.

      HV

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