Uma pequena nuvem macula a pureza azul do céu. Os dias crescem e trazem com eles punhais de fogo e um ondular trémulo da folhagem das árvores, pensei. Esta é uma Quaresma a anunciar um Estio de lástima e devastação. Depois de almoço, adormeci e acordei a cabecear, empurrado por um sonho que logo se furtou à memória. O meu velho anseio de escrever um longo poema sobre o passar das horas caiu da árvore onde, como frutos, os desejos se penduram. Medito nas coisas que tenho para fazer, enquanto oiço um arranjo para piano de uma peça de Bach entrecortado pelo cântico dos pássaros meus vizinhos. As orquídeas já floriram, constato, enquanto o tempo desliza por mim, sem que que as minhas mãos tenham força ou decisão para o parar. A nuvem desapareceu, Bach deu lugar a Mendelssohn e os pássaros calaram-se. Resta o anil dos céus e o que tenho por fazer. A eternidade é feita de pouca coisa.
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