sexta-feira, 8 de março de 2019

Ociosidades

Depois de almoço, nuns instantes livres, sentei-me em frente ao computador para tratar de um texto que estou a trabalhar. Logo adormeci. Acordei atónito ou aparvalhado, se assim o quiserem, passado uns minutos. Cantavam uns pássaros cujo nome nunca soube e que insistem, nem sei bem o porquê, em tomar-me por vizinho. Talvez fosse assim que Adão e Eva acordavam no paraíso, pensei enquanto me imaginava a gravar os sons das aves para lhes decifrar a linguagem. Messiaen registava o canto dos pássaros para o traduzir para piano e compor os livros do Catalogue d’oiseaux, eu iria mais longe. Elaborava um alfabeto, construía o léxico, adicionava-lhe uma gramática, filmava os contextos e confeccionava uma pragmática. O que uma pessoa não faz quando não lhe apetece fazer nada, meditei. A tarde espera-me numa rua ensolarada, enquanto a semana declina e eu, incapaz de sonhar enquanto durmo, entrego-me, acordado, a jogos oníricos sem senso nem destino. Depois ocorreu-me que a ociosidade é a mãe de todos os vícios. Sempre lhe poderia perguntar se o pai era incógnito, mas hoje não estou em dia de contrariar a sabedoria popular e a inteligência comum. Os pássaros voltaram a cantar, mas não sei onde arrumei o maldito do gravador.

2 comentários:

  1. Já encontrou o gravador?
    É urgente gravar os trinados desses simpáticos vizinhos antes que eles decidam partir para outros parapeitos...

    Maria

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    1. Não o procurei. Não tenho a paciência nem o talento de Messiaen. Infelizmente.

      HV

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