Ao acaso, abri uma edição da Poesia Completa de Herberto Helder. Leio, então, o verso Muita coisa começa a bater contra os muros do meu poema. Estanco. O verso fascina-me, não apenas pela sua qualidade poética, mas pela descrição da realidade. Também no dia de hoje, muita coisa começou a bater nos muros de mim mesmo. Foi um batuque contínuo, com oscilações no ritmo, mas sem parar até ao momento em que me sentei para escrever isto. Então aquilo que batia em mim, suspendeu a actividade. Agora sou eu que bato nas teclas, que choco contra o muro que envolve o texto e trabalho para o derrubar. A queda dos muros é uma coisa que excita a alma das multidões. Há nelas uma alegria insana, se vêem um muro ruir. Têm esperança de ganhar espaço para construir um novo. A actividade humana não passa de um contínuo erguer e derrubar muros. Festejam quando se ergue um. Celebram quando ele é derrubado. Depois de um dia como de hoje, onde o batuque frenético da realidade tentou derrubar o muro que me constitui, não sei se celebre ou não. O muro resistiu, mas será isso uma virtude? Ao ler esta palavra, rio-me. Quem quer saber de virtudes, dessa invenção dos velhos filósofos gregos. Anoiteceu há muito, o melhor será calar-me.
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