Assim como a torrada cai sempre com a face amanteigada para baixo, também, por mais cuidado que se tenha e listas que se façam, falta sempre, no dia 24, qualquer coisa essencial para os festejos natalícios. E uma pessoa lá tem de se pôr a andarilhar por aqui e por ali para adquirir o que estava em falta. Foi o que me aconteceu. Fui despachado, logo de manhã, a grande velocidade, para ir a um supermercado comprar coisas mais que necessárias e de seguida que fosse pelo Bolo Rainha encomendado. Zeloso, cumpri, embora tenha aproveitado para passar por uma garrafeira e reforçado o stock de vinhos e, tão importante como isso, passei por uma farmácia e comprei seis testes ao SARS-COV2. Perguntei se tinham. Sim, responderam. Posso levar seis? Os que quiser, ouvi. Muito bem, trouxe seis sem ficar com a consciência maculada por um espírito açambarcador. Aquela farmácia terá testes para dar e vender, embora só venda. Cumprida a missão, voltei para casa e estou emaranhado neste dia acinzentado, todo ele melancolia, embora as pessoas andem pelas ruas, encham os supermercados, lojas, cafés e pastelarias. Ao olhar pela janela, ao observar a palidez da luz, ocorreu-me que a ordem do mundo está longe da perfeição. Não quero com isto incorrer em alguma heresia, mas não seria destituído de sentido que essa ordem do mundo, chegadas as festividades de Natal e de Ano Novo, suspendesse a pandemia, para as pessoas poderem desfrutar sem constrangimentos das tradições. A seguir, recomeçava, como recomeçam os jogos de futebol, após o intervalo. Fora eu a ordenar o mundo e muita coisa tornar-se-ia perfeita, até a própria desordem seria ordenada, com tempo para o caos e tempo para o cosmos. Agora chove bem e talvez neste aguaceiro exista mais sabedoria do que na minha visão sobre a ordem do mundo. Talvez, saliento.
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