Oiço a chuva. Está de humor variado, volúvel. Umas vezes, o aguaceiro é fraco, outras, como agora, parece estar irado, fazendo a água chocar com violência contra a terra. Também os elementos da natureza possuem os seus humores e a chuva é, entre todos eles, um dos mais volúveis. Claro que não possuo nenhum medidor de volubilidade dos elementos, mas a experiência, por mais enganadora que a proclamem, de alguma coisa há-de servir, e eu tenho uma longa experiência acumulada. De que serve essa experiência, pergunta-me a consciência, enquanto deixa escapar um riso escarninho. Irrita-me quando cultiva o sarcasmo. Ainda por cima a resposta é óbvia. A experiência serve para uma pessoa ser experiente. Ora, ora, responde ela. O ano passado, continuou, por falta de experiência fez-se um conjunto de idiotices no Natal e no Ano Novo. Janeiro e Fevereiro foram meses terríveis. Agora que somos experientes, estamos a fazer exactamente as mesmas idiotices nas mesmas datas. Como vês, a experiência não serve de muito. Desisti de argumentar, até porque a tarde foi cansativa, pois tive de fazer uma daquelas coisas que não servem rigorosamente para nada, mas que me são apresentadas como o caminho de salvação do mundo. Cansa-me muito fazer coisas que não servem para nada, por mais salvíficas que elas se apresentem. Quando começo a falar por enigmas, o mais ajuizado é calar-me. Assim, a chuva pode falar à vontade, dar largas ao seu humor volúvel, encharcar a noite. Os dias estão cada vez mais pequenos. Amanhã, às quinze horas e cinquenta e nove minutos ocorrerá o solstício de Inverno. Então, os dias começarão a crescer. É o que me diz a experiência.
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