Podemos fugir àquilo que somos? E aquilo que somos pode desligar-se do lugar onde nascemos? Estas perguntas vêm a propósito de Toshio Hosokawa, um compositor japonês de música erudita contemporânea. Ocorreram-me quando escutava a peça denominada Wie ein Atmen im Lichte, que o serviçal tradutor da Google verte para Como Respirar na Luz. Para as pessoas não habituadas à música contemporânea, as peças de Toshio Hosokawa não parecerão mais estranhas que as do português Emmanuel Nunes. No entanto, há em Hosokawa uma clara influência da música tradicional japonesa. Não é aqui, porém, que quero chegar, mas ao carácter lancinante de algumas das suas peças, como aquela que se referiu acima e que se pode transformar numa pergunta, Como Respirar na Luz? O compositor nasceu em Hiroshima, passados dez anos da deflagração da bomba atómica. Quantas pessoas, da sua família, porventura, não se viram confrontadas com a impossibilidade de respirar naquela luz terrível, no esplendor fulgurante do cogumelo impetuoso e mortal que caiu sobre a cidade? Podemos alienarmo-nos, tornarmo-nos estranhos a nós próprios, mas aquilo que somos e o lugar de onde viemos não deixa de estar, no fundo da consciência, a orientar o olhar, as opções, as escolhas estéticas, ou outras. O sol, lá fora, brilha, com uma tonalidade invernal. A vida passa tranquila e confia-se que nenhuma bomba atómica caia sobre nós e estilhace o céu e a terra, para que um compositor a vir componha em forma de música essa dor sem nome que nasce dos corpos lacerados.
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