O domingo já alçou a perna e está pronto a saltar para o outro lado da paliçada. Ainda não saí de casa, não porque tenha algum motivo para o não fazer, mas apenas porque não me apeteceu. O jantar de família, que deveria ter decorrido ontem, foi adiado sine die. O meu filho teve a infelicidade de almoçar na passada quinta-feira com alguém que, na sexta, testou positivo à COVID-19. Tribulações de um tempo de pandemia. Preciso de falar com alguém, mas o telefone está continuamente ocupado. Vou tentando, enquanto o dia se vai dissolvendo e a paisagem se aproxima cada vez mais de um esboço em carvão até que a noite pegue nela e a guarde num saco de sarapilheira. Na avenida, as pessoas entregam-se a longas conversas, num protesto mudo contra a realidade que as manda afastarem-se umas das outras. Não é fácil viver nestes dias, em que os hábitos enraizados são incapazes de fornecer a armadura necessária para enfrentar o inimigo. Como este é invisível, a tentação é negar a sua existência. Não tarda, cairá a noite. Depois, virá a manhã e será mais um dia.
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