Deixei passar a tarde como água que se esvai entre os dedos. A imagem não é extraordinária e muito menos inédita. Talvez devesse ser acusado de plágio. Contudo, tenho uma teoria sobre o plágio e os plagiadores. O facto de usarmos palavras que foram criadas muito antes de sabermos falar é um exercício de plágio. Para designarmos uma laranja dizemos a palavra laranja roubada sabe-se lá a quem. Só não haveria plágio se inventássemos todas as palavras que usamos. Isso conduziria a uma cacofonia universal e a uma radical incomunicabilidade. Conclusão: o plágio é a condição de possibilidade da comunicação humana. Quanto mais plagiamos, melhor comunicamos. Há ainda o problema dos plagiadores, aqueles que são censurados moralmente e, talvez, juridicamente. Esses, em vez de censura, merecem piedade. Porquê? Porque têm um grande azar. Eu uso laranja, mesa, intervalo, tudo palavras que plagiei, mas ninguém me censura. Ora, os pobres plagiadores sofrem de falta de sorte. Imaginemos que alguém, numa tese de doutoramento, tem toda a tese ou parte substancial dela igual a uma outra que foi escrita antes por outra pessoa. O plagiador consegue um feito notável: escreve as mesmas palavras e na mesma ordem que o plagiado. Querem azar maior? Uma pessoa senta-se para escrever e, na sua inocência, escreve um texto exactamente — nos casos mais radicalmente azarados — igual a um outro que já existia. Com tantas combinações de palavras possíveis, é preciso mesmo grande falta de sorte para sair um texto igual, mas essas coisas acontecem. Todos conhecemos pessoas que têm azar. Ainda há pouco, ao passar por um canal desportivo, vi uma guarda-redes — era um jogo de futebol feminino — deixar escapar uma bola das mãos, vê-la passar sorrateira entre as pernas e entrar vagarosamente na baliza. Um azar. Acontece o mesmo com os plagiadores: deixam passar, por entre as mãos, as palavras organizadas por outros, e estas caem no seu texto.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.