Ontem referi o estranho caso de Manuel Ribeiro. Protelei na revelação da sua estranheza. Nasceu em 1878, em Albernoa, filho de um sapateiro, e morreu em 1941. Por norma, conta-se que foi um dos fundadores do Partido Comunista Português e que, posteriormente, se converteu ao cristianismo. Ora, a história é mais complexa. É um facto que foi eleito, em 1920, para a comissão organizadora do Partido Comunista. Em 1921, foi eleito para a Junta Nacional do Partido e, imagine-se, foi enviado a Moscovo, ao III Congresso do Comintern (Internacional Comunista), como delegado da Secção Portuguesa. Antes disso, tinha escrito no jornal anarquista A Batalha e fora secretário da Comissão Executiva da Federação Maximalista Portuguesa e director do jornal A Bandeira Vermelha. A lista da sua actividade revolucionária é maior, incluindo o sindicalismo revolucionário. É provável que seja após 1921 que ele se desliga deste mundo, mas a sua atracção pelo cristianismo e pela vida espiritual católica é bem anterior. Em 1920, publica o romance A Catedral, onde é muito clara essa aproximação. No ano de 1916, publica no jornal A Capital artigos sobre literatura monástica. A estranheza reside nesta dupla atracção – pelos valores do cristianismo e pelos ideais revolucionários – num tempo em que a adesão a uns implicava a negação dos outros. Quem ler A Catedral, sem saber estes traços biográficos, nunca imaginará que o autor é um dos fundadores do Partido Comunista Português, que também é um estranho caso, e que, de algum modo, se liga a Manuel Ribeiro. Enquanto a generalidade dos partidos comunistas nasceu de cisões nos partidos sociais-democratas, o português nasceu a partir de um grupo de anarquistas, como o terá sido Manuel Ribeiro. Se se deixar de lado a espuma dos dias, o caso de Manuel Ribeiro deixa de ser estranho. Os credos anarquista e comunista são laicizações do credo cristão, devendo-lhe muitas das suas ideias. Manuel Ribeiro terá pressentido isso. Descobriu, porém, que o original era preferível aos sucedâneos – simulacros poderá ser o termo mais exacto – e abandonou a ideia de um paraíso na Terra. É pena que já não seja lido. Também é verdade que um leitor actual teria de o ler com um dicionário à mão, tal a riqueza do vocabulário deste filho de um sapateiro.
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