sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Caminhar

Começo, agora, os dias com uma caminhada. Saio ainda o ar da manhã está fresco e são poucas as pessoas em circulação. Se me atraso um pouco, porém, já encontro pais a deixarem crianças nos infantários e algum movimento perto dos cafés. Num dos parques da cidade, deparo-me todos os dias com um grupo de imigrantes vindos da Ásia, talvez do Paquistão, mas não sei. Estão divididos em duas equipas e jogam futsal, num campo para o efeito mas a céu aberto. É a sua preparação para o dia de trabalho. A forma como gritam durante o jogo é em tudo idêntica ao que fazem os portugueses, só que a letra é, para mim, incompreensível. Pela música que emana da disputa, porém, quase sei o que estão a dizer. Quando caminho ao anoitecer, também se joga no mesmo campo, mas agora é gente mais nova, em idade escolar, e muito misturada: portugueses, brasileiros, angolanos. Enquanto o jogo matinal é exclusivista, o vespertino é abrangente, pois não só alberga múltiplas nacionalidades – mas apenas uma língua – como existe sempre uma rapariga, por vezes duas, entre os jogadores, bem como um atleta de cadeira de rodas, que toma parte no jogo, umas vezes como guarda-redes, outras como jogador de campo. Enquanto caminho, deixo que a cidade invada os meus olhos e descubro-a sempre diferente, apesar da aparente imutabilidade com que ela se apresenta à razão. Este é o velho conflito entre Parménides e Heraclito: onde o primeiro vê a imutabilidade do ser, o segundo considera tudo em devir, um fluxo perpétuo. Enquanto caminho, sou os dois ao mesmo tempo. Os meus olhos são os de Heraclito; o pensamento, porém, está fidelizado – tal como um cliente a uma operadora de telecomunicações – a Parménides.

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