O sábado começou com uma ruptura com as rotinas ultimamente instaladas. Levantei-me demasiado tarde para ir caminhar. Portanto, a rotina ainda não é um verdadeiro hábito. Se o fosse, ter-me-ia levantado mais cedo, apesar das razões que tive para o não fazer. Aristóteles definiu o hábito como uma segunda natureza. Como muitas coisas que provêm de Aristóteles, também esta ideia deveria fazer parte do senso-comum da época. Ele registou-a, dando-lhe um relevo que, sem esse acto de registo, não existiria. Diante de mim tenho um livro publicado no final do século XVIII. Questiona duas coisas: o fundamento da autoridade e o dever de obediência. A resposta que o autor dá não vem para o caso, mas eu poderia dizer que ambos se devem ao hábito. Uns habituam-se a mandar e outros a obedecer. O que conduz a uma conclusão inesperada: não há uma humanidade, mas duas humanidades, a humanidade que manda e a humanidade que obedece. A pergunta que surge é se essas espécies, caso se cruzem, darão origem a um novo ser ou se esses eventuais cruzamentos serão estéreis. Imagino, mas imagino apenas, que ainda não serão completamente estéreis. As razões, porém, não são fundadas em dados empíricos, mas numa intuição. A educação daqueles que se habituaram a mandar destina-se a que os novos membros da espécie evitem cruzar-se com alguém que esteja habituado a obedecer. Seja como for, é muito possível — contam-se histórias — que existam híbridos, o que será sempre um problema, mais para quem pertence à espécie obediente do que para quem pertence à espécie mandante. A hibridação, caso seja verdade, mostra, porém, que a teoria aristotélica do hábito apresenta alguns problemas. Confesso que me falta assunto. Poderia falar do romance Ave do Paraíso, de Carlos Selvagem, mas nunca o li.
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