sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Conversa com o anjo

Peguei num romance de Ruben A., A Torre de Barbela, e como a obra é antecedida por uma “Antologia Crítica”, entretive-me a ler os comentários. Os críticos antologiados eram, naqueles tempos, os anos de 1965 e 1966, figuras de prestígio e autoridade. Fiquei abismado com o texto de um reputadíssimo académico da área da literatura, figura cimeira da história e crítica literárias. A sensação não foi das melhores. Pensei comigo: o homem não percebeu o objecto que teve debaixo dos olhos, talvez a academia e a literatura tenham um conflito insuperável. Depois, considerei que talvez fosse eu, cuja autoridade é nula, a estar errado, e a obra de Ruben A. seja risível. Foi aí que o anjo bom que me protege nas coisas literárias decidiu entabular conversa comigo. Falou, falou, falou. Em resumo disse-me que em arte – e o romance é uma arte, coisa que frisou longamente – o melhor é não ter autoridade nenhuma, pois quanto mais autoridade, mais são os riscos de não perceber os objectos que caem sob os olhos. Quem não tem autoridade, continuo a resumir o meu anjo literário bom, é humilde e tenta perceber o que está ali. A autoridade aniquila não só a humildade, como o desejo de compreender. Quando o anjo se foi batendo as asas, pensei que todos deviam ter um anjo literário bom. Os académicos da literatura, mais que qualquer mortal. A cátedra – quando a têm ou quando a ela aspiram – mata a sensibilidade artística, embora desenvolva a capacidade de emitir opinião e proferir sentenças.

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