A semana útil termina hoje, mas para mim a utilidade desvaneceu-se. Entrei pela casa da inutilidade e estou nela como quem está numa casa de repouso, embora não saiba que tipo de casa é esta, pois nunca me repousei por lá. Talvez já não existam casas de repouso. Há estabelecimentos – ou designações de estabelecimentos – que o tempo, com os seus dentes aguçados, devorou. Uma dessas designações desaparecidas é a de casa de pasto. Não havia vila ou cidade que não tivesse a sua casa de pasto. Depois, sem me darem qualquer explicação, desapareceram. Seriam uma solução intermédia entre a taberna e o restaurante, um lugar onde se comia barato. Hoje, os portugueses já não têm onde pastar, mas também os seus gostos começam nos restaurantes com estrelas Michelin e terminam sabe-se lá onde. Estou a cometer uma falácia, a da generalização precipitada, mas este é um tempo de falácias. Quanto mais falácias um indivíduo mobilizar nas suas arengas, e quantas mais mentiras contar, mais digno de crédito se torna no auditório universal. Universal referente aos portugueses. Não é que os outros auditórios sejam diferentes, mas conheço melhor o nacional. E este é o que é. Não há nada que uma boa tautologia não resolva, e «é o que é» será a melhor de todas as tautologias. Em vez de explicar, afirma a existência. E se existe, então não precisa de explicação ou de justificação. Isto recordou-me uma antiga idiossincrasia pátria coeva das casas de pasto. Para certos – e não seriam poucos – assuntos de ordem burocrático-legal, não bastava o bilhete de identidade: era preciso uma certidão de nascimento passada no registo civil. A medida justificava-se plenamente, não fosse o portador do bilhete de identidade estar ali e não ter nascido. Era uma coisa frequente, naqueles dias, andarem por aí pessoas que, apesar de devidamente identificadas, não tinham nascido. Eram os chamados vivos não nascidos. Hoje, o Estado português já não se importa que possam existir pessoas que não tenham nascido: deixa-as andar por aí e não exige certidão de nascimento. Se se descobre algum cidadão não nascido, é obrigado a pagar uma coima, pois ninguém imagina como seria possível obrigar a nascer alguém que existe mas não nasceu. A coima é mais sensata e rentável. Perdi-me na meditação. Vou repousar e, depois, procurar uma casa de pasto.
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