quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Da memória

Hoje, ao passar pela avenida marginal, descobri que os castanheiros estão, muitos deles, sem folhas, e os outros apresentam uma roupagem envelhecida, encarquilhada, prestes a despenhar-se no calcário dos passeios, para que o sopro do vento a enovele e a empurre para dentro do nosso esquecimento. Não há maior sabedoria do que ser capaz de impelir as coisas para o lugar onde a memória perdeu os seus parcos poderes. Há pessoas que têm memórias fabulosas, vivem numa casa atafulhada de folhas mortas. Parecem ter nisso um grande prazer, embora o rancor nunca deixe de borbulhar se a recordação é adversa. Poderia escrever uma diatribe contra a memória e, ao mesmo tempo, uma apologia em seu louvor. Esta possibilidade de fazer uma coisa e o seu contrário deveria ser estimada e desenvolvida com afinco. Nunca se sabe de onde sopra o vento e aquilo que a vida exige de nós. Ainda no Natal nos parecia risível andar mascarados como se o ano fosse todo ele um contínuo Carnaval, agora é o que se vê. Também eu uso máscara, mas ponho-a sobre aquela que usava todos os dias, embora ninguém se apercebesse. Vou equipar-me e pôr-me a caminho para ver se chego a horas ao sítio onde estou.

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