A tarde de sábado vai a meio.
Oiço o rumorejar dos carros, oiço vozes entretidas com pequenos dramas
domésticos, oiço pássaros presos a disputas eternas. De todos os romances publicados
por Carlos de Oliveira, há um que nunca tinha lido, Alcateia. Publicado
nos anos quarenta do século passado, nunca mais foi reeditado. Consegui um
exemplar num alfarrabista. O talento do autor é excessivo para os universos
sociais e psicológicos que escolhe para situar as suas narrativas. Uma insónia
esta noite permitiu-me ler um quinto da obra. Lá fora as pessoas enfrentam a
canícula, avançam destemidas pela avenida, escondem-se nas sombras. Um
jacarandá ainda tem algumas flores, pequenas manchas roxas num oceano de folhas
verdes. Há dias que oiço a música de uma freira medieval, Hildegard von Bingen.
Gosto de pronunciar o seu nome devagar, como se ele contivesse um mistério e uma
promessa de salvação. Teria sido uma mulher extremamente dotada. Além da música
ela tinha também um talento enorme para a medicina. Fecho os olhos e dentro de
mim funde-se o canto medieval com o uivo da alcateia. O meu neto que hoje
conseguiu levar-me à praia já acordou da sesta. Tenho de o ajudar a andar de
triciclo.
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