Estou cansado, embora ainda não tenha feito nada. Basta o
acinte do calor para me exaurir. Já vamos no sexto dia de Setembro, e este
ainda não se mostrou uma única vez piedoso. É um mês violento, irascível,
raivoso. Até os pássaros meus vizinhos andam calados. Talvez se tenham mudado
para um lugar mais fresco. Fecho os olhos e deixo a música deslizar sobre mim.
Oiço um CD, comprado há muito, de Reiko Kimura, Music for Koto. Há na
música tradicional japonesa um grande poder para nos subtrair à marcha
vexatória do tempo e dos acontecimentos e conduzir-nos a territórios nos quais
as palavras não conseguem penetrar. Há que ouvir e esquecer-se de si. Ontem
esteve cá o meu neto. Vimos a Masha e o Urso e brincámos com CD. Ele tirava-os
do lugar e eu arrumava-os. Tenho já um longo treino nesse papel. Vai na terceira
edição e ainda não percebi o fascínio que as crianças têm em desarrumar os CD. Sinto
os neurónios a curvarem-se sobre si, como se se enroscassem na posição fetal
para dormir. Eu bem lhes exijo sinapses, mas eles olham-me com desprezo.
Bocejam e voltam-me as costas. Pudesse eu encontrar-me com Eliot e dir-lhe-ia o
quanto estava enganado. Não, não é Abril o mais cruel dos meses. Setembro sim,
pois nele nem há lugar para a crueldade de confundir memória e desejo, apenas o
exsudar oleoso do tempo, apenas o punhal afilado da realidade cravado na
garganta, apenas o uivo esfomeado do lobo perdido na floresta.
Sem comentários:
Enviar um comentário