Os olhos secam, tal o calor que está por aqui. Bebo água para me hidratar, mas ninguém consegue usar os neurónios seja no que for com estas temperaturas. Já pensei em recorrer ao ar condicionado, mas aí tudo se complica. A garganta protesta, a voz enrouquece e o espírito começa a duvidar sobre se o corpo não se terá contaminado com o novo vírus que anima a realidade pelo mundo fora. Fui levantar umas encomendas a um posto dos CTT incrustado numa loja que vende livros e materiais escolares. Toda a gente de máscara, o que terá vantagens estéticas e sociais assinaláveis. A continuar assim, chegaremos ao dia em que teremos pudor em mostrar o rosto, mesmo os praticantes de nudismo hão-de fazê-lo de máscara. Uma das minhas leituras actuais é a de um filósofo de língua alemã, de origem sul-coreana, com o inusitado nome de Byung-Chul Han. A obra é Do Desaparecimento dos Rituais. Uma leitura suave e que não há-de agradar nem a gregos nem a troianos, os bandos rivais que enxameiam a praça da filosofia. Nem aqueles que vêem nela um cálculo lógico e transparente como o cristal, nem os que a julgam um exercício esotérico de linguagem indecifrável, que quer sempre dizer outra coisa. Isto, todavia, não interessa a ninguém e a verdade é que os rituais, com o seu jogo de repetições, estão mesmo a retirar-se do mundo. As encomendas que fui levantar eram sapatos que comprei online. O ritual de ir a uma sapataria, com o calça e descalça, o experimenta este e o outro, o abre e fecha caixas, foi substituído pelo relação digital e anónima de espreitar num monitor e de tratar tudo sentado numa secretária. A minha comodidade é um punhal cravado na garganta de um mundo decente. Como se sabe, tenho uma certa propensão para a hipérbole, a que convirá dar o devido desconto.
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