Quando saí de casa havia um charivari de cuja natureza me
tinha esquecido. Junto à escola primária amontoavam-se pais e crianças. Destas saíam
sons agudos, verdadeiros estiletes a enterrarem-se pelos tímpanos. Se os pais
tinham rosto, foi coisa que não descobri. Estavam de máscara e nunca sabemos o
que se esconde por detrás de uma coisa dessas. Quando a uso começo por sentir
uma ligeira irritação devido à circulação do ar, mais tarde sou acometido pelo
temor de ter perdido o rosto. Alguém me diz que mais vale perder o rosto do que
a face. É um caso a considerar, embora os nossos tempos não tenham qualquer
interesse por questões de honra. Ainda no século XIX o duelo era recorrente. O
último que aconteceu em Portugal foi em 1925 e aquele que o perdeu acabou por
morrer de síncope cardíaca, o que não deixa de ser trágico. Ao menos que
tivesse sucumbido a uma estocada do adversário. O instituto do duelo servia
para as pessoas lavarem a honra, as que a tinham, pois nem toda a gente tinha
dinheiro para comprar e usar uma peça de vestuário tão cara. Como não havia
máquinas de lavar e a honra não fosse coisa que se desse para a mão de qualquer
lavadeira, era preciso lavá-la em sangue. Era um tempo de grandes
susceptibilidades. Não se pense, todavia, que era assunto apenas de
aristocratas e monárquicos. Os republicanos também tinham uma inclinação
especial para as cerimónias no campo de honra. Isto interessa a quem? A
ninguém, claro, mas serve para mostrar que escrever é como as cerejas.
Começa-se num assunto e acaba-se num outro completamente diferente. Há quem
chame a isso volubilidade do narrador, mas pode ficar descansado que não o vou
desafiar para um duelo.
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