Hoje é o primeiro dia de oito em que as temperaturas estarão
entre os 35 e os 38 graus. Há dias vi uma explicação sobre a razão de aqui
estar um tempo quente e seco e do outro lado da serra ser mais fresco e húmido.
A causa seria o efeito Föhn resultante da existência de uma cortina montanhosa –
serras da Sintra, Lousã, Montejunto, Candeeiros e Aire – que se interpõe nos
caminhos dos ventos vindos do mar, gerando o tempo típico do Oeste, de um dos
lados, e a aproximação ao deserto deste lado. Como é assunto que me escapa e
não tendo vocação para ser especialista em tudo, ou mesmo numa única coisa,
acho a teoria esteticamente aprazível e tomo-a por verdadeira, mesmo que o não
seja. Depois, sempre me permitiria escrever palavras como barlavento e
sotavento, embora o não tenha feito para as poupar para um próximo texto. Setembro
começa ao ataque. É um mês cruel, com instintos homicidas. Há nele um rancor
que seria dispensável. Olha para nós e ri-se, enquanto arquitecta estratégias
para nos submeter às suas humilhações. Reparo que tenho uma gaveta da
secretária aberta e lembro-me que deveria procurar a minha caderneta militar. É
verdade, apesar de não passar de um narrador sem narrativa, também possuo o
documento que comprova que servi a pátria. Foi um mau serviço, a avaliar pela
fotografia que lá se encontra. Um tipo ridículo, posso assegurar, sem o garbo
de cavaleiro andante ou o aspecto feroz e implacável de um soldado de elite. Se
eu fosse a pátria, ter-me-ia posto do lado de fora do quartel a pontapé. A
pátria, porém, foi condescendente e disse-me vem, aqui também há lugar para
gente grotesca, irrisória, caricata. Não te importas de endireitar a boina ou
também tu sofres do efeito Föhn? Deveria evitar o recurso à prosopopeia, mas é
o que se arranja. O que eu gostaria mesmo de saber era onde meti o raio da
caderneta. Deve estar na outra gaveta.
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