A realidade chegou pela manhã desta segunda-feira. Como
todos sabemos ela é uma senhora muito elusiva, embora haja também quem a ache uma
marafona, uma daquelas raparigas viciosas dadas ao desfrute, sempre pronta para
pôr alguém em apuros. Quando começo a falar por enigmas é porque a coisa não
está bem. As sombras já não são suficientes para suster o ataque desferido pelo
Sol. Homens e mulheres arrastam-se pelos passeios, param sob a copa das
árvores. Os carros passam devagar, revérberos ambulantes, movidos pelo desejo
de alguém chegar ao destino. Os loendros da escola ao lado continuam pujantes e
eu deixo-me levar pelo desvario da corrente de consciência, saltitando de
assunto em assunto. Vejo o correio electrónico e sinto uma inesperada saudade
do tempo em que chegavam cartas em papel, onde um envelope selado ocultava
segredos e mistérios. Hoje em dia, pensei, já ninguém tem nada a velar e logo
não é necessário esse ritual de desenhar as palavras em folhas de papel,
aquelas palavras decisivas que mudam uma vida e que são escritas vezes sem
conta, enquanto as folhas são rasgadas, e se pega noutra para recomeçar com
mais precisão aquilo que se quer escrever. Muitos romances tomaram uma forma
epistolográfica, mas é inverosímil que haja arte na redacção de emails e nada
de decisivo pode por eles ser anunciado. A realidade chama por mim. Tenho de
lhe dar alguma atenção, pois ela é um moscardo zumbidor que não se cala. Sensato
seria comprar um insecticida.
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